Para juntar multidões fale com cada um

Por todo o globo as democracias vêm apresentando solavancos e até mudanças de rumos. Muitos são os que profetizam seu colapso ou início de uma nova era, alguns com base em expectativas de esperança, outros com medo do que pode acontecer.

Deixando de lado qualquer tipo de catastrofismo, esperança idealista ou mero exercício de futurologia, temos que reconhecer novos fatores que reconfiguraram a participação democrática. São fatores que vêm mudando as formas de mobilização da sociedade e a ascensão do indivíduo como protagonista no processo de discussão de políticas públicas.

Os processos institucionais e partidários têm sido cada vez mais combatidos por serem artificiais, manipulados, pouco ou nada representativos, muito vagarosos e burocráticos. Ou seja, o povo não consegue e não quer agir dentro dessas estruturas. Por outro lado, a possibilidade de ação democrática encontrou grande potencial de participação não apenas por intermédio dos meios digitais, mas exclusivamente neles. Portanto, é uma questão de entender não “se”, mas “como” a democracia vai funcionar daqui para frente.

Uma conversa mais direta, sem mediação institucional, ocorre a todo o momento nas redes sociais. Todos os temas são debatidos incessantemente por lá. Em meio a tudo o que realmente importa tem muita bobagem também, é verdade, mas é justamente essa flexibilidade que potencializa esses meios, uma vez que carrega no mesmo processo entretenimento, narrativas e valores.

Não é novo o fato de que para uma conversa com o público é necessário contar uma história que toque o cidadão, algo que seja relevante para ele. E, para isso, sempre foi importante entender o público-alvo, considerando suas motivações, desejos, ansiedades e valores.

Sempre foi assim. Antes, porém, não havia como chegar a cada um em particular. Os “perfis” não estavam abertos, mas as pessoas estavam diluídas em grandes grupos como segmentos profissionais, regiões geográficas, comunidades religiosas, grupos étnicos, etc. Por isso as narrativas que alcançavam o grande público eram muito mais genéricas, amplas, se posicionando em questões que envolvem pouca paixão, como os bons e velhos temas: saúde, segurança, educação, etc. Hoje não existe mais o grande público, mas uma infinidade de públicos acessíveis, ativos e com funcionamento intermitente.

Antes, o custo de mobilizar era altíssimo. Agora esse custo praticamente desapareceu. Hoje qualquer um pode ter sua voz propagada, desde que entenda a dinâmica das redes e o comportamento das pessoas em um sistema em rede. A defesa de interesses e propagação de causas nessa nova realidade depende dessa compreensão.

É legítimo e necessário mobilizar pessoas em uma democracia. Aliás, ser cidadão envolve usufruir plenamente dos direitos políticos, e isso não se dá pelo simples exercício do voto, mas pela atuação associativa que trata de demandas, problemas e soluções que ultrapassam a esfera privada. Para isso ocorrer não basta estar certo, ser bem intencionado ou honesto. É fundamental manejar – com ética e legitimidade – os meios de mobilização e suas redes.

As estruturas organizacionais ultrapassadas jogam contra. Quem quiser viabilizar seus valores e demandas em debates extremamente dinâmicos, sendo capaz de mobilizar e engajar pessoas, deve saber que a ação é cada vez mais personalizada. Isso significa que mesmo para tratarmos de questões públicas precisamos personalizar a ação, conectando as pessoas com anseios muito particulares e envolvimento quase emocional.

A fluidez com a qual as pessoas transitam entre causas e debates, militando aqui e ali, sem exclusividade e tanta profundidade, mas com uma capacidade ampliada de conexão com semelhantes (eventuais) é uma das grandes questões a serem compreendidas por todos os que desejam e precisam de participação popular na construção de soluções que sejam realmente representativas.

A radicalização da democracia pode ser a personalização da democracia. Nós até nos envolvemos, mas só com aquilo que toca em nossos valores e que pode ser tratado pelo celular. Tudo isso pode significar mais individualismo e superficialidade, porém, é inegável que está mais rápido e fácil participar.

Me parece muito claro que devemos investir em lideranças que saibam acessar essa nova realidade, sem simplesmente manipulá-la em seu favor. Ou seja, mesmo com toda a tecnologia e possibilidades que ela cria, são as pessoas que de fato podem fazer algo pelas outras pessoas, sobretudo se estiverem dispostas a entendê-las antes de querer mudar o mundo.

Amir Kanitz é sociólogo, professor e secretário-executivo do IPM