Contrapoder e possíveis avanços

Já próximo do fim do mandato de presidente da Associação Comercial e Empresarial de Toledo-PR- Acit em 2013, propus ao grupo que lá estava, que formássemos o que chamei na época de Rede de Entidades, uma forma de organização onde as entidades representativas da sociedade civil do município pudessem refletir com seus membros e opinar de forma relativamente rápida, sobre determinado tema que poderia afetar toda a comunidade.

A título de exemplo: ideologia de gênero e aulas de educação sexual para as crianças em nosso município, será que a maioria dos pais concordariam? Que isso fosse discutido pelos membros das organizações e houvesse um retorno para embasar a decisão do poder público local, acerca do tema.

Passados poucos anos daquela sugestão que dei, que não foi adiante, ouvi pela primeira vez do Prof. Amir Kanits as expressões “corpos intermediários” e “contrapoder”. Seriam as organizações da sociedade civil, que teriam um papel fundamental na ligação entre o indivíduo e o Estado, funcionando esses “corpos intermediários” como uma espécie de contrapoder ao grande poder do Estado.

Decisões de administradores públicos e/ou ausência de decisões, nessa crise do coronavírus, indicam claramente a falta que faz ter “corpos intermediários” com agenda clara e bem fundamentada, na defesa da comunidade, do interesse público, para se colocar como contrapoder ao poder do Estado.

A maioria absoluta dos empresários e trabalhadores no setor privado, estão sofrendo pela impossibilidade de manter empresas abertas, e o sacrifício já é, e será muito grande. E no setor público, com exceção do poder executivo, que é quem mais está trabalhando nessa crise, os demais poderes, com raras exceções, anunciaram reduções de salários para ajudar na redução de custos aos pagadores de impostos. A grande maioria de Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas, Congresso Nacional, juízes, promotores, desembargadores, nada de sinalizar sacrifício direto no bolso para ajudar nesse difícil momento.

E os pagadores de impostos devem aceitar isso como normal? É assim mesmo e nada podemos fazer?

Aqui deveria entrar a força da “rede de entidades”, dos “corpos intermediários” para vermos na prática, mais justiça, mais equidade. Não é possível que todo o setor privado enfrente gigantes dificuldades e não possamos criar instrumentos legais, uma espécie de gatilho, que possa ser acionado, para que os trabalhadores do setor público, para que políticos, também dêem sua cota de sacrifício, sempre que a situação exigir e não tenhamos que depender do humor de autoridades em casos de graves crises, para que o sacrifício seja feito também por eles.

Nos quase três anos da maior recessão dos últimos 100 anos, entre 2015 e 2017, praticamente nada ocorreu em termos de aperto no setor público, se comparado ao que houve no setor privado.

Claro está que, um chefe do executivo ou mesmo os legisladores, não estão lá para fazer TUDO aquilo que o povo deseja. Mas não é possível continuar aceitando como normal e legítimo, que nos 3(três) poderes da república continuem sistematicamente ignorado um dos mais básicos princípios que deveriam nortear a ação pública, que é o SERVIR, praticamente transformando o setor privado em escravo.

Concluindo este breve artigo, seria ingenuidade imaginar que os detentores do poder público e de tudo o que com ele vem, incluindo privilégios, abrirão mão por livre e espontânea vontade desses desequilíbrios tão profundamente arraigados nas estruturas públicas. Isto somente se conseguirá pelas ações das organizações da sociedade civil, que, não importando sua natureza, buscando entender suas responsabilidades além das razões que as originaram, buscando entender quais princípios e valores fundamentam uma sociedade justa e desenvolvida, procurem unir forças a ponto de exercer o tão esperado contrapoder ao poder do Estado, dando mais equilíbrio, harmonia e confiança nas relações entre indivíduos e o Estado.

Gargalo de decisões

Nesse momento crítico, além de todo medo e pânico, a indefinição das medidas para se combater as várias frentes de problemas tem agravado o clima político e social.

Como consequência do problema de saúde pública que se avizinha (pois ainda não há incidência no sistema de saúde local) podemos perceber que o processo de formulação de soluções sofre por algumas insuficiências, tanto de informações seguras, como na racionalidade dos métodos e coordenação para a gestão da crise.

Por certo que há um problema iminente, portanto, nossa questão agora é de previsão. O que prejudica as previsões mais eficiente são os desdobramentos socioeconômicos e políticos, que já são sentidos pelas medidas tomadas na expectativa pela chegada do vírus por aqui. De nossa parte não podemos analisar o impacto do vírus – é notável o quanto mesmo análises especializadas são discordantes. Nossa abordagem é circunscrita ao processo envolvendo os fluxos decisórios que impactam agentes engajados em vista de possíveis soluções.

Esses fluxos são pautados por limites e potenciais políticos e de articulação. Se a atuação não for meramente estatista, ou seja, apenas autoridades dos poderes do Estado possuam o monopólio sobre as ações decisórias, se optará por uma abordagem multicêntrica. Neste caso, diferentes grupos contribuem para a construção de soluções, coerentes com a realidade ou não. A isso se adiciona a variável política, que considera as pressões, interesses e constrangimentos pelos quais passam os atores locais envolvidos.

Em todo caso, é necessário considerar que o tomador de decisões é impactado por
a) pressão social,
b) custo político e
c) análise técnica.

A pressão social não é em uma única direção, pois, ao mesmo tempo em que há muito medo de uma contaminação abrangente, colapsando o incipiente sistema de saúde local, também há receio de que o impacto da paralisação total seja catastrófico, pois a maioria dos empregos do país estão ligados a microempresas (54%) e trabalhadores autônomos (25%), casos em que as reservas de caixa não ultrapassam em média três semanas.

Com um cenário social dividido, o custo político é inevitável. Do ponto de vista político os formuladores de soluções estão diante de um processo decisório sem ganhos, pois determinados efeitos podem ser mitigados, mas serão fortemente sentidos em algum nível – no número de vítimas infectadas pelo vírus ou pela difícil recuperação econômica resultante das medidas tomadas.

A análise técnica é a mais complicada, pois para essa questão não é unívoca e muito menos incontestável, seja lá qual for o enfoque. As referências acadêmicas não são suficientes para comprovar que as ações de quarentena total possam garantir os efeitos esperados por seus proponentes, sobretudo em sociedades com as nossas características. O lockdown é propugnado como medida momentânea para o adiamento das infecções, no sentido de garantir uma estrutura mínima de tratamento, porém sem garantir que novas ondas de infecção não possam ser agravadas por um grande número de pessoas artificialmente afastadas da imunização. Também há pouca racionalidade quando acompanhamos atualizações constantes e globais dos números de uma doença – de baixa letalidade – mas sem nunca termos feito o mesmo com outras doenças (os números sempre são impressionantes, por exemplo o fato de a cada 39 segundos uma criança de menos de 5 anos de idade morrer de pneumonia no mundo).

Por outro lado, decisões extremas e impositivas têm cerceado uma imensa gama de atividades, mesmo sem evidências de que sejam decisões de fato imprescindíveis. A própria separação entre atividades “essenciais e não-essenciais” não é técnica o suficiente, pois não considera a interrupção de cadeias produtivas altamente integradas. Exemplo disso é a liberação para caminhoneiros viajarem, mas sem poderem se alimentar em restaurantes ou utilizar serviços mecânicos e de autopeças. Há também o caso de hospitais e farmácias funcionando, mas sem a possibilidade de serem assistidos em problemas corriqueiros como um ar-condicionado com defeito, na manutenção de algum equipamento de informática necessário aos processos internos, ou até o fornecimento de itens secundários como peças para uma caldeira ou refrigeradores, etc. Note-se que o critério de essencialidade é contestável, o que fica evidente na liberdade de produzir veículos, concomitante à proibição de vendê-los.

Seja como for, não haverá uma administração eficiente do problema se faltarem:
1) informações seguras e previsões razoáveis;
2) coordenação de forças entre as demandas populares, necessidades das organizações produtivas, operadores do direito e administração pública;
3) meios eficientes para operacionalizar as medidas elaboradas.

Em meio a esse turbilhão, a demanda por medidas que mitiguem perdas tem dificultado a tomada de decisões racionais. E as decisões intempestivas têm se confundido com prudência, sobretudo quando são fechamentos, proibições, coerções que atingem regiões sem contaminações e grupos de menor risco. Geralmente tais decisões são tomadas por poderes que são protegidos da responsabilização pelos efeitos danosos provocados por medidas exageradas. É possível concluir que o principal fator a mover as decisões é o medo, pois não há cuidado racional com a saúde antes de haver um bom número de testes disponíveis, rastreamento eficiente das contaminações e tratamento comprovado para os infectados. Há, é claro, as medidas simples que podem ser comprovadas: confinamento de pessoas acima dos 60 anos e com histórico de comorbidades, manutenção de um espaço de dois metros de distância segura entre as pessoas, isolamento dos infectados e maximização do número de testes.

Observando a racionalidade dos processos nota-se que as decisões tomadas até aqui foram impulsivas. Nada impede que no futuro sejam reconhecidas como acertadas, sobretudo quando aumentarem as vítimas fatais, ainda que não sejam em números catastróficos. Porém, a análise multicêntrica não está sendo aplicada na tomada das decisões mais impactantes, e isso é um indício de que consequências muito ruins serão sentidas por atores que não estão sendo ouvidos, principalmente porque há decisões legais sendo tomadas por parte dos atores que não serão responsabilizados.

Uma simples boa intenção pode ter resultados negativos inesperados. A decisão apressada pode ser antidemocrática. A imposição de regras extremamente restritivas que não podem ser cumpridas – em um país onde a renda é precária – causam ainda mais desordem.

Essa análise se baseia em princípios utilizados para a tomada de decisões. Muitas vezes, em momentos de crise, os princípios são deixados de lado. Mas, não será mais seguro – em todos os sentidos – a tomada de decisões com base em princípios aplicados com perspectiva, clareza e inteligência?

1 – https://www.aier.org/article/800-medical-specialists-caution-against-draconian-measures/
2 – https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/ro/artigos/perfil-das-microempresas-e-empresas-de-pequeno-porte-2018,a2fb479851b33610VgnVCM1000004c00210aRCRD
3 – https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2019/06/com-mercado-de-trabalho-fragil-numero-de-autonomos-subutilizados-e-desalentados-e-recorde/
4 – Revisão sistemática realizada pela OMS a respeito de estudos que tratam de medidas capazes de conter a propagação de infecções virais: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/329439/WHO-WHE-IHM-GIP-2019.1-eng.pdf
5 – https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2019/11/14/epidemia-mundial-pneumonia-mata-uma-crianca-de-menos-de-5-anos-a-cada-39-segundos.ghtml