É óbvio, mas até que alguma coisa mude não custa repetir: os problemas públicos são problemas de todos. Outra obviedade é que para se resolver problemas é necessário que haja – além da vontade – organização e capacidade. Então, fica claro que problemas públicos não são apenas os que são sentidos por todos, mas também são os que devem ser solucionados por todos, ainda que com diferentes graus de envolvimento na solução.
Pensando assim, facilmente chegamos à conclusão de que as soluções para problemas que atingem a todos não podem ser relegadas a governos, embora estes sejam escolhidos para representar algumas agendas de soluções. Mas, e nós, indivíduos separados por interesses particulares, temos a capacidade de elaborarmos essas agendas de soluções? Como seremos representados se não sabemos exatamente como apresentarmos as questões para aqueles que nos representam? Pois essa capacidade de elaborar uma agenda é um dos papéis de uma liderança pública.
A visão de liderança pública que postulamos não se enquadra na figura muito popular, que consegue conduzir as massas com discursos envolventes e com a capacidade quase única de despertar indignações. O que precisamos é de lideranças que consigam apresentar de forma apropriada um problema público, avaliando racionalmente os impactos das questões que se impõem, amparadas em dados e evidências que dimensionem não apenas os problemas, mas também suas soluções.
Ninguém é mais adequado a esse papel de liderança do que uma pessoa ou organização que produz bens e serviços para a sociedade. Não nos colocamos contra políticos de carreira. Eles podem existir e até mesmo terem ótimas atuações. Mas as demandas impactarão mais esses políticos à medida que chegarem na voz de quem produz, pois, para produzir é necessário conhecer as capacidades de seus colaboradores, a complexa rede de parceiros e as necessidades de seus clientes. Quem produz conhece a sociedade, pois tem que agir nessa realidade e não em um ideal ou amparado em ideologia pura e simples.
Há muito tempo se tem investido em lideranças para os negócios, para as equipes nas empresas, ou mesmo para setores específicos da indústria, comércio e serviços. Mas essa liderança não precisa – e não pode – ficar segmentada, pois temos aí um grande potencial desenvolvido para o reconhecimento de realidades complexas, e é disso que precisamos para a solução de problemas públicos.
Portanto, é necessário compreender claramente: todas as lideranças são públicas. Podem ser estatais ou não (com cargos políticos, eletivos ou não), mas pensam e agem em uma realidade comum a vários tipos de pessoas.
A liderança necessária para contribuir na solução de problemas públicos deve possuir: a) habilidade política e interlocução social, e isso todo bom vendedor também precisa ter; b) capacidade de compreender problemas complexos, o que é o dia a dia de qualquer gestor; c) inteligência estratégica para agir de forma coerente no tempo e com os meios que possui, e quem não tiver isso em seus negócios não prosperará; e, d) empatia com as diversas formas de ser e sentir, e assim também há vários elos na corrente que produz, distribui e consome, bem como na sociedade em geral, com suas vulnerabilidades específicas.
Não há sentido em separar, do jeito que fizemos até hoje, “setor privado” do “setor público”. O que temos são agentes estatais e não-estatais, mas todos agem na sociedade, na realidade pública comum. E dessa perspectiva podemos notar o quanto uma liderança não-estatal é importante para conduzir uma agenda pública qualificada, isto é, com conhecimento da complexa realidade social. Mas isso não significa simplesmente transportar os conceitos dos negócios para a política, pois o trato de políticas públicas exige determinados conhecimentos institucionais específicos. O que se torna urgente, portanto, é que as lideranças produtivas compreendam seu papel na formação de agendas públicas e adquiram ainda mais essa capacidade, qualificando-se para as relações institucionais voltadas a interesses públicos.


