Digitalização no ensino: o quanto ela contribui para a aprendizagem?

Um estudo internacional de Progresso em Leitura (PIRLS) realizado no ano de 2021 revelou o quão ruim foi o desempenho dos estudantes brasileiros, particularmente aqueles do 4º ano do ensino fundamental, em interpretação e compreensão de textos. A avaliação indicou que 62% desses estudantes não possuem ou possuem em nível muito baixo algum domínio mais básico em habilidades de leitura, colocando o Brasil na 59ª posição entre um total de 65 países (1).

Por mais surpreendente que possa parecer, considerando-se a proporção per capita, o Brasil é um dos países que mais investe recursos em educação (6% do PIB). Maior até que países mais desenvolvidos e que, diferentemente do Brasil, estão entre os primeiros no rank de avaliação dos alunos (2).

Países de primeiro mundo, como a Suécia, por exemplo, após verem os resultados de seus alunos no PIRLS diminuir consideravelmente, constataram que o mau desempenho foi consequência da introdução das plataformas digitais nos ensinos das escolas e assim, vêm adotando políticas para diminuir o uso dessas tecnologias em sala de aula (3).

No seu livro A Fábrica de Cretinos Digitais [4], Michel Desmurget assevera, como já apontado por inúmeros estudos, que a introdução de tecnologias digitais em salas de aula, ao invés de trazer benefício aos estudantes, é, pelo contrário, uma fonte de distração, tendo como consequência uma piora no desempenho escolar. Segundo Desmurget, “até hoje, uma única ferramenta demonstrou influência realmente positiva e profunda sobre o futuro dos jovens estudantes: o professor qualificado e bem formado. Trata-se do único elemento comum a todos os sistemas escolares mais desenvolvidos do planeta”.

Assim como foi a tendência em muitos países, muitas cidades e estados brasileiros tomaram iniciativas no sentido de utilizar recursos tecnológicos digitais, com vistas a contribuir no processo ensino/aprendizagem. Contudo, as recentes observações proporcionadas pelas fontes já citadas, e outras mais, deveriam servir de base para reflexões sobre os reais efeitos positivos da utilização desses recursos. Afinal, quais são os estudos, sejam do exterior ou do Brasil, que apontam para as práticas mais efetivas?

Um exemplo de ferramentas efetivas que pode realmente ajudar crianças em processo de alfabetização a se tornarem competentes em habilidades linguísticas é a implementação e consolidação do método fônico [5], especialmente em crianças com desvantagem sociocultural e com dificuldades de aprendizado [6]. Além disso, outros estudos enfatizaram a importância da escuta de histórias pelas crianças mais novas e como isso pode ajudá-las a ampliar o vocabulário e, consequentemente, a habilidade de escrita [7,8].

Como parece evidente, a resposta é mais simples do que se imagina: a sugestão é o retorno para o básico. É investir esforços e recursos para habilitar os professores do ensino básico no sistema fônico, na aquisição de livros infantis (de qualidade!) e em mais horas de escrita e leitura em sala de aula. É certo que as tecnologias digitais vieram para ficar. Que possamos, então, dosar o seu uso, tendo em mente manter ao lado dos recursos tecnológicos, a necessidade do hábito de leitura, o qual é favorecido dispondo-se de mais tempo dentro da escola para esse fim.

Por Edésio Reichert e Laura Fróes

Referências

[1]BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Brasil no PIRLS 2021: Sumario Executivo. Brasília, DF: Inep, 2023.

[2]KRONKA, E. Gazeta do Povo: Peru e Chile gastam menos em educação do que o Brasil. E eles alcançam as melhores notas. Curitiba: Gazeta do Povo, 2019. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/peru-e-chile-gastam-menos-em-educacao-do-que-o-brasil-e-eles-alcancam-as-melhores-notas-5mo5nrw7yq9poa113h8ioj4r0/. Acesso em: 01/08/2023.

[3]HIVERT, A-F. Le Monde: Too fast, too soon? Sweden backs away from screens in schools. Paris: Le Monde, 2023. Disponível em: https://www.lemonde.fr/en/health/article/2023/05/21/too-fast-too-soon-sweden-backs-away-from-screens-in-schools_6027454_14.html. Acesso em 01/08/2023.

[4]DESMURGET, M. A fábrica de cretinos digitais: Os perigos das telas para nossas crianças. Tradução: Mauro Pinheiro. São Paulo: Vestígio, 2021.

[5]DEHAENE, S. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler. Porto Alegre: Penso, 2012.

[6]SEBRA, A G.; DIAS, N. M. Métodos de alfabetização: delimitação de procedimentos e considerações para uma prática eficaz. Rev. psicopedag, São Paulo, v. 28, n. 87, p. 306-320, 2011.

[7]SNOW, C. E.; TABORS, P. O. Language skills that relate to literacy development. In: SPODEK, B.; SARACHO, O. (Eds.), Yearbook in Early Childhood Education, vol. 4. New York: Teachers College Press, 1993.

[8]COOPER, P. J.; COLLINS, R.; SAXBY, H. M. Look what happened to the frog-The power of story. South Melbourne: Macmillan Education Australia, 1994.