Depende. Se você é daqueles que observam tudo através de lentes ideológicas a resposta é: nunca. A ideologia nos faz enxergar a realidade como um bloco único e simplificado, tipo: “o pensamento e as ações deles são ruins, então, se nós tivermos o poder será o nosso pensamento lá, logo as ações serão boas”. O problema é que além de tosca, essa visão é insuficiente para sociedades modernas e complexas, pois nunca um grupo terá todo o poder, o tempo todo e em todas as áreas. No best-seller O fim do poder, Moisés Naím realiza uma profunda análise sobre o potencial de domínio neste início de século, indagando com precisão que hoje “o poder está mais fácil de obter, mais difícil de utilizar e mais fácil de perder”.
Com efeito, se a expectativa for tirar “eles” do poder para finalmente desfrutarmos de um mundo melhor, somente haveria algum êxito se eliminássemos todos os que identificamos como sendo “eles”. Nem é preciso falar que isso é descabido, impraticável, totalitário e, por fim, desastroso, pois a história dá suas voltas e derruba esse tipo de mentalidade boçal logo ali na próxima curva – apesar do custo imenso para se provar e superar o desvario. Portanto, se você classifica todos os problemas como sendo causados pela ação de grupos ideológicos, o seu destino é ficar cada vez mais alienado e frustrado, pois “eles” continuarão existindo, e o “nós” do qual você faz parte continuará sem o poder que acredita ser necessário para melhorar as coisas.
Esse pensamento – muito em voga atualmente – forja uma postura que funciona assim: “quando ninguém mais estiver atrapalhando nós vamos conseguir fazer o que é certo”. Daí ninguém faz nada a não ser pregar o fim do “outro” como solução para tudo. Trata-se de uma mentalidade tribal e paralisante. E o pior é que muitos, pensando assim, acreditam estar lutando contra a decadência do mundo moderno. São tolos, que além de não lutarem para solucionar problemas reais do seu cotidiano, estão muito bem encaixados na mentalidade facciosa característica do mundo que imaginam combater.
Agora, se você está pensando com o cérebro e não com o fígado vai logo perceber que a pergunta do título está mal formulada. Não há como os problemas políticos acabarem. Ora, a política é justamente a via para o tratamento – não necessariamente solução – de problemas públicos. E desse modo é necessário compreender que a) há certos problemas para os quais não existem soluções completas ou mesmo conhecidas, mas apenas paliativos; b) há muitos problemas que não possuem culpados claramente identificáveis, pois são entraves culturais, históricos ou de atraso econômico, que só percebemos em relação a outras sociedades com as quais muitas vezes nem podemos nos comparar; c) e também há os problemas – aí sim –resultantes da ação de determinadas ideologias que construíram suas “soluções” de forma hegemônica, e para superarmos estes problemas não basta a expressão apaixonada pelo desejo de eliminar quem comunga de tais ideologias. Nos três casos o que precisamos é construir soluções para problemas reais, e não o esforço repetido de criarmos sumários de culpas que nos coloquem na posição de virtuosos condenando os monstruosos.
Acredito que a perspectiva política – seja de esquerda ou de direita, coletivista, liberal, progressista ou conservadora – que tenha como principal atividade procurar culpados e execrá-los, para poder assim se afirmar como a via mais pura e irrecusável, não permite uma análise sensata dos problemas públicos e muito menos proporciona a implementação correta de soluções.
Concordo com Daniel Markovits, professor de Direito em Yale, que refletindo sobre os processos econômicos e políticos característicos das estruturas sociais disfuncionais que enfraquecem as democracias, afirma que “tanto a fé abraçada por alguns, como a ira sacrossanta de muitos críticos, avaliam mal os desafios que encaramos”.
O jogo de acusações pode até formar movimentos e reações, mas não forma agendas. Uma agenda de políticas públicas consiste em organizar demandas sociais reais, de modo que possam se encaixar em processos institucionais e receber tratamento dos entes públicos com efetividade. Sem agendas sólidas e racionais seguiremos envoltos por entraves legislativos, morosidade burocrática e serviços precários – que não são problemas causados por alguém ou algum grupo específico, mas são justamente o substrato de camadas históricas de reações políticas operadas sem agendas definidas.
É compreensível que as pessoas expressem cansaço e indignação frente aos desafios que vivemos. Porém, quem estiver disposto a encarar os problemas para resolvê-los deverá fazê-lo com uma disposição mental menos infantil, ou seja: a) entendendo a extensão dos problemas – e isso vai muito além de encontrar culpados; b) construindo com inteligência as soluções – que inclui participar da elaboração, articulação e execução dessas soluções, negociando com várias propostas e ideias conflitantes; e c) manejando os processos de maneira institucional e ordenada – o que claramente ultrapassa a natureza da política puramente eleitoral.
É verdade que o brasileiro está menos indiferente com a política em comparação com o que já foi. Mas isso não significa que esteja mais instruído ou capacitado para buscar soluções para questões públicas, pois a maioria avalia mal os problemas e crê que uma baldeação ideológica resolveria tudo.
Aliás, ainda que o único desejo seja uma vitória sobre a ideologia adversária é necessário construir soluções de conteúdo. Pois, como notou o perigoso e genial Antonio Gramsci, a visão de mundo que defendemos só se torna hegemônica quando opera com muitos graus de aderência à realidade, isto é, se conseguir tratar os problemas reais de forma prática. Não basta preencher o vazio existencial com alguma contra-ideologia.
Apesar de custoso, precisamos encarar a realidade: sempre haverá disputas políticas e interesses conflitantes; os grupos e ideias que você não aprova continuarão existindo e exercendo algum tipo de influência; não há perfeição social, apenas melhoria, e você precisa trabalhar para essa melhoria desde já (não no WhatsApp) para em algumas décadas colher os frutos; vontade de melhorar a sociedade todos têm (até o seu inimigo, que talvez use o método errado, mas acredita que do jeito dele será melhor), mas o que falta é conhecimento e esforço ordenado para empreender as melhores soluções.
A política é um continuum, nada se inicia do zero e nada é definitivo. E isso serve para o bem e para o mal da política.
Amir Kanitz é sociólogo, professor e secretário-executivo do IPM.
