Conhecer bem o contexto, avaliar corretamente os meios que pode utilizar e buscar a melhor solução entre as possibilidades existentes; esse é um roteiro simples para qualquer gestor, privado ou público. Mas, o principal aqui está no processo para se chegar a essas informações. Diferentemente do que muitas vezes se espera, essas referências não estão na cabeça de nenhum gestor.
James Surowiecki é considerado o mais influente editor de negócios dos EUA. O premiadíssimo editor da revista The New Yorker escreveu o best seller “A sabedoria das multidões”, livro no qual usou sua experiência no mundo dos negócios, agregando uma série de resultados de experimentos sociais realizados ao longo de mais de um século por cientistas comportamentais, para apresentar uma tese que confronta algumas crenças muito enraizadas, afirmando que “o grupo é mais inteligente que o mais inteligente do grupo”. Ou seja, grupos sociais têm mais chances de acertar nas escolhas que envolvam decisões públicas do que indivíduos, ainda que estes sejam geniais.
A abordagem de Surowiecki não é nada marginal, afinal se inscreve em uma clássica análise da ordem social espontânea, da qual são tributários grandes nomes como Friedrich Hayek (Prêmio Nobel de Economia em 1974), Frank Knight e Michael Polanyi.
A ideia de uma inteligência coletiva não se aplica a tudo. Trata-se de uma evidência demonstrada por vários experimentos sociais – que compõem boa parte do conteúdo do livro de Surowiecki – aplicável a processos que envolvem cognição, ou seja, a necessidade de se decidir com inteligência; coordenação, que depende da sincronização de vários indivíduos; e cooperação, isto é, que apesar de interesses particulares variados é necessário agir juntamente com os outros, criando um efeito coletivo melhor do que antes. Ora, estas são características próprias dos objetivos de qualquer organização produtiva, associação de interesses ou formulação de políticas públicas.
É claro que a genialidade ainda pertence a indivíduos. Somente pessoas independentes têm capacidade de serem originais, fazerem descobertas e criarem alternativas. Mas, ainda assim, é a sociedade que consegue encontrar os meios mais eficientes para maximizar a satisfação por meio da evolução das escolhas, que por sua vez se tornam costumes e referências.
É só imaginarmos – como no exemplo dado pelo próprio Surowiecki – o início da era dos automóveis. Muito modelos surgiram, movidos por eletricidade, a vapor e outros ainda por motores à explosão. Os designs eram inesgotáveis e a funcionalidade variada. Havia, no início do século XX, mais de cem fábricas de automóveis só nos EUA! Mas, apesar dessa profusão de opções, foi o MERCADO que definiu quem deveria desaparecer. Essa decisão foi coletiva, diminuindo o interesse por modelos muito barulhentos, com gasto de combustível acima do aceitável, ou desconfortáveis demais, ou ainda com resultados pífios em questão de velocidade. Ou seja, as pessoas, por meio de escolhas descentralizadas e independentes definiram o que seria o automóvel.
Certamente os inventores de tipos alternativos de automóveis estão acima da média de inteligência comum. Mas são as pessoas que – coletivamente – sabem como maximizar a satisfação por meio do processo de escolha entre alternativas variadas. Aí está a inteligência do mercado.
Esse é apenas um dos exemplos de como as dinâmicas de escolhas nos grupos sociais pode fornecer uma compreensão essencial, capaz de orientar eficientemente a busca por soluções de problemas comuns.
Porém, as decisões operadas por grupos sociais somente são boas quando oferecem as três seguintes características:
Diversidade de opiniões: cada indivíduo do grupo possui informações pessoais, mesmo que sejam interpretações excêntricas, ou até intuições sobre o assunto. Isso enriquece o panorama de opções, afinal, as descobertas mais originais às vezes soam como disparates logo que são expressadas, mas podem ser debatidas, testadas e aprovadas, ou simplesmente deixadas de lado.
Independência: as diversas opiniões que se apresentam na sociedade não podem ser completamente determinadas por alguma autoridade. Essa liberdade já existe em uma Democracia Liberal, porém, não podemos deixar de observar que se as pessoas se reúnem para expor suas opiniões podem ser constrangidas por outras que têm mais autoridade, que são especialistas, que fazem parte de alguma elite ou mesmo têm uma oratória convincente. Por isso, a questão não está em reunir todos e deixar “cada um falar um pouquinho”, pois este processo pode ser distorcido. O importante é conseguir captar essas opiniões “in natura”.
Descentralização: as pessoas têm a capacidade de se tornarem “especialistas” em sua localidade, em seus problemas específicos, em seus modos produtivos e costumes próprios. Essa visão parcial é fundamental para compor um panorama mais rico e detalhado da sociedade.
No livre mercado estas condições (diversidade, independência e descentralização) estão satisfeitas, fornecendo mais alternativas, eficiência e oportunidades. Mas o livre mercado é uma ordem espontânea (em um estado ideal). E como utilizar essa riqueza social para decidir sobre a elaboração de políticas públicas?
O grande desafio é encontrar o método ou meio capaz de agregar todas essas informações proporcionadas pela diversidade, independência e descentralização. O mercado faz isso na geração do preço, que nada mais é do que uma informação condensada sobre a escassez, as demandas e oportunidades.
Certamente, para que nos aproximemos de decisões mais representativas e eficientes, balizadas pelo interesse social, não podemos centralizar as decisões nas mãos de alguns gestores e de seus sábios reunidos; também não é o simples estabelecimento de um debate com várias “cabeças pensantes” que será suficiente para tomar as melhores decisões, pois não será capaz de apresentar a riqueza das posições menos especializadas do homem comum; e, finalmente, se as decisões públicas forem tomadas desde um centro que abrange localidades diversas, a única coisa certa será o risco de generalizar burramente uma medida qualquer.
Precisamos orientar os processos com dados sobre a realidade que queremos atingir (cognição), conhecendo as pessoas reais que estão envolvidas (coordenação) e atuando para encontrar a solução ótima para todos, em sua diversidade de interesses (cooperação).
O bom gestor saberá se orientar por essas necessidades, desenvolvendo a capacidade de ler uma diversidade de opiniões, de vontades independentes, e com a riqueza das visões locais. A descentralização só funciona se forem obedecidos esses parâmetros, senão só teremos falsos debates, crise de representatividade, e visões estreitas (ainda que técnicas) da complexidade social. E isso, infelizmente, todos nós já conhecemos bem.
